quinta-feira, 11 de abril de 2024

louco

 _0_

A lama caía na terra invertida. Estivemos tão próximos nos últimos dias. A espada mental destrói os resquícios de humanidade que jamais houvera. Tick… Tick…

— Você vai estar lá por mim? — ouço-te falando. E falando, e falando, e falando. Nunca parando, como um relógio que continua a rodar. Que dança com a luz do sol em sombras exatas – que se acabam quando as nuvens, que não ligam para a majestosidade do Sol, interrompem a exatidão. São elas que instauram a sombra, que gratifica a loucura.

Vejo uma nuvem com você. Formatos diversificados e variados. Ficamos no monte de pedra enquanto víamos. Uma nuvem escura com o formato de um elefante engolia a outra, mais tímida, em formato de homem. Tudo parecia tão real que esquecia da minha sina.

A realidade é um morfeu de nuvens. As realidades dimensionais transitam em uma dança galáctica. Aqueles que veem isso são castigados com a sabedoria de um Louco. Os sonhos se tornam realidades de bolso, o mundo real fica tão perdido quanto uma agulha em um lote de feno. O real perde seu sentido. Ando nas ruas de São Paulo ao mesmo tempo que nas brumas de Avalon, do quinto círculo de Hades. Ao mesmo tempo, carrego você pelas vias luminosas de Andromeda, em uma dimensão transformista e tecnológica. Todos os caminhos pensados – e aqueles não pensados por ninguém – já ocorreram em algum lugar fora desse espaço-tempo. Eu acesso-os todo dia, ao mesmo tempo. O infinito se deu lugar ao tímido finito.

E você foi várias coisas para mim. Foi um valete no meio do seu golpe político de Giorghein. Foi também o Ca-Z-and, do planeta Gárhii. Foi o mutante Cisco, com o poder magnifico de ler as estrelas. Foi o Guerreiro dos Tucanos, no meio da selva de Georgia Leste. Foi o doce Carlos, que morou do meu lado naquele prédiozinho na avenida.

Foi tudo ao mesmo tempo. Foi, também, minha torre em decadência, o erro irreparável do futuro que eu já previa. Que você me sussurrou nas estrelas. Eu ainda te vejo lá. Espero que me veja também.

Apenas ele, sua roupa e uma cabeça cheia de ideias. O Valete de Espadas descia o morro e subia-o novamente. Toda vez que descia, sorria pela estranha sensação que dava no seu estômago. Quando estava no topo, observava o reino de Giorghein, onde estava o Rei de Pentágonos. Um lugar que ele, em si, detestava a ideia, mas amava a experiência. Lúdica e verdadeira.

— O que um valete de um elemento tão distante faz nessas terras sem mar? — surgia um bardo colorido atrás do arbusto. Um olho de pupilas roxas que podiam sentir a Terra pulsar.

— Não há nada que eu sou além do que vê. — o Valete continuava sério em seu destino certo.

— A terra dos que pensam e pensam. Depois viajam e pensam mais. E logo depois, batalham nas palavras pensadas e fracassam quando percebem que tais palavras foram lapidadas tanto que perderam sentido na Terra. Ah, és um Valete? Vejo pelo brilho nos olhos. Sua primeira viagem.

— Certo. — dizia o bardo, dançando em volta do Valete — Pois a Terra me contou coisas interessantes, talvez seja o que vejo, talvez seja outra coisa. Ele vinha com um objetivo e apenas um. Era um filho de rei com coração ladrão. E ela me disse para trazê-lo com cuidado e hospitalidade.

— Pois deixe a outra parte também ser, Valete.

O Bar Andromeda era sujo de poeira espacial e cerveja cósmica. Ficava no epicentro do Império, que consumia todo um sistema solar. O Filho do Ar andava – sendo introduzido por um gentil nascido.

— É este, Ladrão. O homem que a Areia disse que vinha. — falava o nascido à um homem, no fundo do bar, com uma jaqueta de couro e um cigarro cibernético.

— Você é… — dizia o Filho do Ar olhando as mãos do Ladrão com um suspiro intenso, vento forte na base do tronco. O homem, por sua vez, olhava o doce Valete de cima abaixo.

— Sou Ladrão. Sou, também, um poeta. É tudo que precisa saber. — dizia ele, devorando o jovem com olhos semicerrados.

autodestruição_treze_-_são_carlos

_-___

Essa carta irá explodir em cinco minutos.
E então o tempo conceitual irá se transformar em visual,
e sua percepção será diferente.
Irá se comportar como uma quarta dimensão
e iremos todos pularmos dos hipercubos
em busca da glória atemporal.
A glória será etérea e efêmera,
e mesmo assim, eterna.
O tempo e o tempo irão lutar entre si
pelo domínio da quarta dimensão ótica.
E quanto o tempo, enfim,
vencer o tempo,
iremos juntos num musgado de maconha e LSD
filosofar com John Earman
no meio do quinto buraco do tempo dessas nossas pequenas dimensões.

Essa carta irá explodir em quatro minutos.
A explosão será regada das cores:
vermelho, rosa, laranja, roxo, mel, fiapo, manhã-de-domingo e amarelo.
As cores irão ser intensas,
pintadas cuidadosamente nas costas de um guerreiro na Amazônia,
enquanto dançamos em volta do sangue do nosso amante em comum.
Iremos comemorar as cores até elas desaparecerem em um breu lunar.
A lua é uma amante de uma cor só,
a ela apenas o vermelho do sangue.
Sua paixão pelo vermelho é maior que a extensão do Rio Amarelo,
mas não mais importante.
Quando o breu chegar, iremos nos esconder nas cores quentes
e usar as frias para sugar nossas almas.

Essa carta irá explodir em três minutos.
E quando assim for todas as fantasias que desejarmos será transformado em verdades concretas,
assim como todo concretismo indesejado se transformará em uma memória falsa.
Poderemos viver de maneira plena na comuna lésbica em Marte da Grimes.
Os poetas fracassados de todos os plantões noturnos nas cidades interioranas de São Paulo
irão viver sua máxima artística,
todos os agricultores do lar teriam suas terras de volta,
todas as crianças abusadas teriam, novamente, a oportunidade de brincar
livremente nos pastos do planeta vermelho.
Mas tome cuidado com o que deseja, minha pequena Alice.
Se todos os sonhos forem verdades,
não sobraria nenhum.
E não há homem nessa terra que já tenha vivido sem sonhar.
Nem criança, nem mulher,
nem aqueles que sonham além dos binarismos contextualizados e papéis sociais dados.

Essa carta irá explodir em dois minutos.
Acredite em mim, não tenha medo.
Segure minha mão enquanto descobrimos os segredos do outro lado da realidade.
Iremos para onde tudo é calmo e tudo é bom.
Onde a moralidade, que se divide entre o divino bom e o maldito mal
irá se dissipar em uma concepção neutra.
E assim, quando acontecer, irá nascer a necessidade de uma nova moral
baseada nos nossos sentimentos novos do outro lado da linha do trem.
Iremos conhecer essa bondosa senhora chamada Alice Silva Prado,
ela nos ensinará a cura pelas ervas medicinais.
Irá também contar histórias da infância no campo,
das bonecas de palha,
das fugas do Saci-Pererê,
dos cavalos
e das plantações de café.
Eu nunca tive nenhuma conversa longa ou densa com ela,
mas confio que ela seja uma mulher com uma vida muito interessante para contar.

Essa carta irá explodir em um minuto.
Não tenha medo do vácuo, é de onde viemos.
Ele nos acolhe como uma mãe,
nos guia como um pai.
Seu abraço é frio, mas completo.
Sua completude pode parecer enorme,
mas confie em mim,
é do mesmo tamanho para mim, para você, para uma formiga, para um pássaro ou um mamute.
Não apresse sua chegada,
é uma dama que chega exatamente no horário combinado.
Nem tarde, nem cedo.
Os abismos em seus olhos possam assustas,
às vezes,
mas pode ser um conforto.
Não faz dela um monstro ou uma dor.
Não tenha medo, ela virá de qualquer jeito.
É passiva é atenciosa.
Ouve-te como ninguém jamais ouviu.
Não a irrite, ela não gosta de insistências.
Gosta que chegue a seus braços com graça e delicadeza.
Ela tem o porte de um cavalheiro,
não gosta de ser abordado, gosta de abordar.
Não fique em luto com seus presentes, não se apavore com sua presença.

Essa carta está explodindo. Bem-vindo.

carta_zero_-_dedicatória_-_dois_mil_e_vinte_um_-_são_carlos

 ____-____

Para aqueles que amei e aqueles que odiei.

Para o nobre trabalho do crime, que sustenta uma sociedade de viciados e lhes dão luz, paz, criatividade, harmonia, refúgio desse país de bosta, viagem de graça para aqueles sem dinheiro pra ir até Ibaté.

Para os viciados, nobres valetes que desafiam a autoridade fumando um baseado, cheirando um pó, e assim se alimenta na sociedade da fome.

Para a polícia, que tira a vida de ambos em um massacre sem fim no qual eles afirmam ser uma guerra, que se orgulham em matar e destruir qualquer um que desafie o universo por sua existência e beleza única.

Para aqueles que morreram na mão dos vermes fardados, que apanharam por carregar um vinagre na bolsa.

Para aquele policial específico que quase matou meu avô depois de espancar ele, pois queria encontrar meu pai.

Para os traficantes da perifa, que coordenam toda a cidade melhor que qualquer presidente ou prefeito de bosta, de qualquer partido pelego sem cor nem beleza.

Para aqueles que vão nos bairros ricos e roubam-lhes as bicicletas, vendem na rua do meu padrasto.

Para os roubados, também, em sua fúria infantil típica dessa classe média em ascensão.

Para toda a classe média em ascensão, e suas fúrias por verem que ainda são pobres e estão ficando cada vez mais pobres no colapso da economia brasileira.

Para aqueles que saem de uma jornada de trabalho de quase trinta horas, andam nas ruas da Vila Prado, olhando a vida morrer enquanto as pernas cansadas gritam no caminho pra casa.

Para aqueles que moram na Vila Prado, os velhos, traficantes, mães de cinco, trabalhadores, que residem nas casas antigas caindo aos pedaços e se reúnem na calçada no final do dia em seus tocos de madeira e conversam sobre a maquinaria da noite.

Para aqueles cansados dessa porra de cidade pequena, que te prende aos 25 anos e te mata um pouco a cada dia.

Para aqueles mais novos que anseiam fugir da cidade, ir pra São Paulo e reescrever a própria história.

Para aqueles que perdem todo resquício de si, até serem loucos de chamarem as coisas que mais amam de hobby.

Para aqueles que amam tanto a arte que querem desesperadamente participar dela, mas faz em segredo, pois os colegas de trabalho nunca iriam entender um zine com a capa de uma travesti segurando uma AK-47, pois são burros e simples.

Para os artistas de sucesso, em geral filhos de outros artistas, que sempre tiveram na mão a inspiração, o material e a referência, e depois vomitam o discurso ridículo de meritocracia e esforço que nunca precisavam ter.

Para os artistas que nasceram em famílias onde ninguém conhece arte, que lutam todo dia em seus próprios fracassos, que fazem arte ruim, barata, fedida e podre.

Para aqueles que comprar essas artes de bosta, pois se encontram na mesma situação artística e espera que comprem deles também, e não porque apreciam, de verdade, o produto.

Para aqueles, e em especial para aqueles, que apreciam verdadeiramente a podreira desse tipo de arte, que se encanta e chora, que goza no zine pornô de algum cara chamado Francisco.

Para aqueles que trabalham mais de vinte e quatro horas direto, sem descanso, sem ajuda com transporte, sem a porra de um vale alimentação.

Para seus patrões, que ficam sentados o dia todo comendo igual porcos no abate, ganhando dinheiro explorando outros para manter as unhas em dia.

Para os pais controladores e rígidos, que tiram a liberdade de seus filhos e o abusam de suas bondades.

Para os filhos de pais controladores que fogem de casa e fumam cigarro para mata-los internamente.

Para aqueles que fumam sozinho em casa, escondidos dos pais.

Para aqueles que nunca fumaram na vida.

Para os enfermeiros e técnicos de enfermagem, que curam como uma bruxa e cuidam como uma mãe.

Para os médicos que ficam sentados em um consultório de merda o dia todo dando ordens e fazendo nada.

Para os pacientes, que aguardam mais de quatro horas em um atendimento emergencial pois o médico está ocupado fumando na garagem do UPA e ocupando todos os colchões das salas de repouso em seu sono de criança.

Para os copeiros, pois sem eles não há café.

Para os filhos dos ricos que, ao se descobrirem transviados, saem em um não-caminho, são expulsos e torturados, ficam sem herança, sem casa, sem dinheiro, apenas com o próprio cu como moeda de troca.

Para os filhos de pobres que, ao se descobrirem transviados, ganham mais uma dor de cabeça para cuidar, e continuam no mesmo caminho que já iriam.

Para todas as transviadas, de todos os tipos, de todas as lutas.

Para as bixas velhas, que dão às mais novas sexo, herança, ancestralidade e perspectiva de um futuro vivo.

Para as anarcobixas, travestis nervosas, transviadas revolucionárias.

Para as putas e michês, que sustentam a sociedade do sexo e filosofia, e precisam ser endeusadas de todo tipo.

Para os anarquistas, que lutam e vivem acima do fracasso, que perdem todo ano uma luta na construção de uma sociedade melhor.

Para os outros anarquistas, que desistiram desse tipo de luta futurística e só querem ver o caos crescer e destruir a sociedade por completo.

Para os cagões anarquistas, que não conseguem fazer porra nenhuma e nunca tirou o nariz do apartamento chique, mas sabem de cabeça todas as correntes, teorias e vertentes anárquicas.

Para aqueles que beijei, nas festas, nas ruas, nos ônibus lotados, nas batalhas de rap, nos cantos escondidos das escolas que participei, no trabalho de bosta que me suga a alma e espírito, para os homens de quase todas as idades e também para as mulheres que me atraem e, principalmente, para aqueles que fogem dos homens e das mulheres nas suas próprias percepções de si.

Para aqueles que transei, também nas festas, nas ruas, nos ônibus lotados, nas batalhas de rap, nos cantos escondidos das escolas que participei, no trabalho de bosta que me suga a alma enquanto eles sugam meu pau na calada da madrugada. Não dedico, em hipótese nenhuma, para aqueles que transei em uma cama, à meia-luz, em papai-e-mamãe. Acho um tanto démodé.

Para aqueles que não transam de maneira alguma.

Para os românticos.

Para os que odeiam romance.

Para aqueles que amei, pois vivo por eles, anseio por eles, gozo por eles, me completo por eles, me anseio por eles, me acabo por eles, me toco por eles, me  endivido por eles, me acabo por eles, morro por eles, vadio por eles, ando por eles, pego ônibus por eles, corto a cidade por eles, traio por eles, espanco por eles, sou espancado por eles, sou preso por eles, sou abusado por eles, sou algemado por eles, sou destruído por eles, sou poético por eles, sou amoroso por eles, sou presente por eles, sou ouvinte por eles, sou belo por eles.

Para aqueles que odiei, pois eles me revoltam, me destoem, me limitam, me enchem a porra do saco, me abusam, me prendem, me algemam, me tiram do presente, me machucam, me anulam, anulam minha alma, anulam minha identidade, anulam meu espírito, anulam minha arte, anulam aquilo que sou, aquilo que não sou, aquilo que quero ser, aquilo que fui, aquilo que nunca serei.

algum_título_03

vivendo o inferno
por estar no paraíso

viking_IV_XX